GR '12 | Entrevista Vanguart

10 de março de 2012
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Papo de Boteco
Introdução e transcrição por Luís Morais 
Entrevista por  Luís Morais, Lígia Ferreira, 
Renan Simão (e-Colabers) e  
Thales Schimidt, Felipe Amaral e Solon Neto
Fotos por Renan Simão

A proposta era uma entrevista. Quando os 6 integrantes da Vanguart sentam na mesa e aguardam as perguntas, logo percebi que seria algo diferente. Não era aquela chatice de uma pergunta padrão e uma resposta padrão para a mesma. Era um bate papo. Uma roda de conversa. Com todos respondendo.



Só faltava o ambiente de buteco e algum som no fundo. As latas de cerveja com copos cheios de biscoitos eram o que a banda desfrutava. Em frente a eles, cerca de 10 jornalistas, fotógrafos e videomakers fazendo o seu trabalho. Que ficou muito mais divertido do que a padronizada entrevista coletiva.

O resultado da meia hora de conversa vocês leem a seguir. Sobre vários temas. Mas tudo em torno do principal: cultura. No caso, a musical. E o Vanguart deu uma aula de como as bandas novas devem se virar hoje em dia. Além de falarem sobre Lobão, Cida Moreira, festivais independentes e muito mais.

Não é uma entrevista. É a transcrição de um papo de buteco. O que vale, e muito, a pena ler.

Vocês agradeceram ao SESC por vir tocar aqui hoje. O que é tocar de graça pra galera?

Hélio Flanders: Indo bem na raiz da questão, Brasil é um país de muita grana onde todo mundo está fodido. Isso não faz muito sentido. E tocar de graça é sempre algo muito especial. O SESC é uma benção no nosso cenário. Não faz mais do que a obrigação, mas isso no nosso país já é muito. Mas não é só porque eles estão fazendo a obrigação que nós não vamos valorizar. Tocamos com um som bom para pessoas bacanas. Nós temos que valorizar quem está fazendo algo pela nossa cena cultural. Muito mais do que para a cena rock ou qualquer outra coisa.



O público que acompanha vocês, hoje (dia 7, dia do show) foi mais universitários. Mas nos shows em geral, como é?

Reginaldo Lincoln: O nosso público varia muito, mas muito mesmo. Os shows que a gente mais gosta são os shows livres, não de pagamento, mas de censura livre. Crianças assistindo shows com os pais, avôs. E ainda conseguimos manter uma comunicação muito legal durante o show. E eles gostam do momento, gostam da banda ou gostam de alguma canção em especial. E temos pessoas de várias idades, de classes sociais, etnias.
Luiz Lazarotto: E o SESC proporciona isso pra gente. Muita vezes a gente toca em balada, 2 da manhã, só pode entrar maior, e aí você pega e faz um show mais cedo, 9 da noite, censura aberta. Lembro até do último show em Araraquara que tinha um casal, um tiozinho e uma japonesa que ele a usava como guitarra até.
Reginaldo: E legal também que é a viabilidade da sobrevivência da banda. No caso o cachê, a gente vive disso. Ninguém dá dinheiro pra gente a não ser nosso show. O SESC sempre tem oportunidades ótimas de cachê, de lugar bom pra tocar com um som bom, e dá oportunidade para o público de qualquer classe, com 1 real ou 30 reais assistir aquele artista.
Fernanda Kostchak: O que eu acho legal é que pelo fato de ser gratuito começa a inspirar no público essa atitude que hoje na internet existe muito de você procurar. Você tem uma infinidade de opções na internet, só que aquela atitude de sair de casa e ir atrás de uma coisa que você gosta não é ainda do nosso cotidiano. E tendo espaço e ambiente pra isso, começa a tirar do mundo virtual onde você assiste o show que quiser gratuitamente e trazer pro espaço físico, vir aqui prestigiar uma banda, e fazer disso também seu cotidiano cultural.



E para vocês, qual é a importância dos festivais independentes?

Hélio: Sendo bem sincero, hoje no Brasil não tem essa de “eu sou isso, eu sou aquilo”. Se a gente tá lutando pelo mesmo ideal, tem que trabalhar junto e unir forças. Juntar um Grito Rock, por exemplo, que é uma das ideias mais legais dos últimos anos.
(nesse momento, Douglas lembra que o Vanguart estava no primeiro Grito Rock em Cuiabá, e Reginaldo comenta que eles venceram, e como prêmio fizeram outro show)
Douglas Godoy: Não que eu não goste de carnaval, mas o Grito Rock foi uma opção naquela época, que todo mundo queria fazer, mas ninguém tinha coragem em Cuiabá. Todo mundo achava que não ia dar certo você fazer rock no carnaval. Mas no Carnaval você pode se divertir com rock, samba, pagode...
Hélio: Falando sobre esse paralelo: o SESC tem feito um trabalho louvável. Os festivais independentes, idem. Hoje pra gente foi uma surpresa muito boa, saber que esse show está veiculado ao Grito Rock, com os coletivos daqui de Bauru, que tem tudo a ver com jovem, com universitário, especialmente com gente que batalha pela cultura. Eu acho que isso é vital. Daqui há uns anos isso vai continuar vivo dentro de vocês, eu espero. E vão passar isso pra outras pessoas, que vão pelo menos ter tempo hábil pra isso.
Reginaldo: Porque você acredita o seu tempo naquilo. Independente de você ter um ganho ou não, você faz aquilo porque você quer fazer.
Hélio: A gente faz porque é artista. Você faz porque são jornalistas, videomakers, etc. Acho que isso é uma grande troca, e parece que hoje é normal. Mas não, isso há 5 anos não existia. Ou você era o Capital Inicial ou você não era nada. E hoje a gente tem grandes bandas no Brasil que sobrevivem na medida do possível na honestidade do seu trabalho árduo e apaixonado, através disso: de Grito Rock, de festivais, de pessoas que estão aqui. A gente parou de olhar só pro nosso umbigo e tá olhando pro amanhã. Pode parecer ser meio sonhador, mas no fundo é isso. Que seja pra nós mesmo, se a gente tá pensando em algo melhor ou algo pra depois.



O que vocês não fizeram que ainda tem muita vontade de fazer?

Hélio: A gente só quer gravar bons vídeos e fazer shows legais com pessoas legais na plateia. As vezes fazemos uns shows nada a ver, com uma galera “chacoalhando joia”, pagando ingresso caro. O legal é esse que rolou hoje. Parece que foi crescendo porque a gente foi falando “ó galera, a gente tá aqui porque a gente gosta, essa é a nossa vida. Eu to com a voz ruim, mas tomei umas biritas, acho que vai rolar cantar”. Tocamos Luiz Gonzaga, tocamos Dorival Caymmi e nossas músicas. Isso foi tudo que a gente tinha pra oferecer. E a gente saiu e tinha uma menina chorando dizendo “muito obrigado, hoje foi muito legal”. Pronto, pra mim a arte é isso. “Ah, pretensioso, arte”. Não, arte é isso, como é o quadro daquele doidão que você ri dele no campus, aquilo é arte também.

E essa relação que vocês tem com Beatles, de tocar paralelo com a banda de vocês, e a cena independente, que em Bauru é muito forte, que tem muita banda independente.

Reginaldo: Tem cidades pequenas que existem uma grande manifestação autoral. E eu não vou nem cita-las. Mas São Paulo por exemplo existe uma grande manifestação do cover também.
Hélio: Infelizmente de uns 2 anos pra cá o Brasil está sendo tomado pelo cover. E a gente tem culpa nisso, porque temos um show de Beatles. Infelizmente nós temos que pagar o aluguel. É uma maneira de se vender de um modo que você gosta. A gente preferiu tocar Beatles uma vez por mês e não ter que mudar nosso som pra agradar ninguém - e nem arrumar um emprego. Não adianta se iludir ''ah, monte sua banda independente, vá tocar no Brasil que você vai pagar seu aluguel”. Você não vai pagar seu aluguel, não existe essa ilusão. É muito difícil você sobreviver fazendo sua própria música. Eu discordo daquela: “ah, mantenha seu emprego e continua sua banda”. Acho que não, acho que você tem que gastar o máximo do seu tempo com a sua arte, se não ela nunca vai pra frente, mas ao mesmo tempo você tem que dar um jeito. Isso é o “brazilian-way”, né. O nosso jeito foi tocar Beatles.
Reginaldo: Na verdade o Vanguart é um coletivo também, como o Fora do Eixo. Você tem que se manter. Você tem que ter um dinheiro. Que seja um que esteja conseguindo dinheiro pra todo mundo fazer a mesma ideia funcionar. Eu já vi isso acontecer.
Hélio: O problema é que nunca tivemos um patrão. Nós não somos de família rica, nunca tivemos alguém pagando. Nós tivemos que trabalhar, dando aula de inglês ou tocando Beatles. Então é isso, dê o seu jeito, mas nunca abandone a arte. Tem gente que se mata de trabalhar para assistir o jogo no domingo. A gente se mata de trabalhar, ou fez isso 5 anos atrás, pra poder estar viajando e tocando nos festivais, e hoje a gente vive dessa banda. Você só não pode mudar o que não deve ser mudado por conta de dinheiro. Dê outro jeito mas mantenha sua arte intacta. Isso você nunca vai se arrepender de ter feito.



No lançamento do seu primeiro CD, vocês tiveram a parceira com o Lobão. Portanto está diretamente envolvido com a história da banda. Como foi essa troca, como é a relação de vocês hoje?

Douglas: A princípio a gente nem conhecia o Lobão, a gente sabia que a revista era dele, e falamos com o pessoal dele ”ó queremos lançar o disco”. Era a mulher dele que o representava, no primeiro momento a gente nem tinha contato com ele. A gente foi ter contato com o Lobão muito tempo depois.
Hélio: Voltando ainda mais, em 99 eu me lembro que comprei na banca “A Vida é Doce”. Eu ouvi aquele disco meio trip rock e minha cabeça nunca mais voltou ao normal. Naquele disco eu chorei, sorri, me formou de alguma maneira muito profunda. Ouvi também “Noite” de 97 e “Nostalgia da Modernidade” de 94. O Lobão dos anos 80 não dizia pra mim, mas o dos anos 90 sim. Eu me lembro que no show ele falava “Nostalgia da Modernidade, 10 mil discos vendidos – um fracasso para a época”. Então ele era o fracasso dos anos 90. Mas aqueles discos disseram tanto em poética, em musicalidade, em personalidade dele falando que eu nunca mais fui o mesmo. Depois em 2006 foi curioso, a gente gravou o Som Brasil e lançou com ele ao mesmo tempo. Então, cheguei no camarim e disse “João Luiz Woerdenbag – quando sou fã eu leio a biografia – bicho, eu ouvi muito 'A Vida é Doce'. Seu disco mudou a minha vida, muito mais que 'Rubber Soul' dos Beatles ou 'Pet Sounds' dos Beach Boys”. E o Lobão ter aparecido na nossa história é algo que me emociona muito, porque é um cara que é importantíssimo pra mim. As minhas letras tem influência dele. Eu não sei até quando plagiei o Lobão. É só você digitar no Google: “Rap para o Mano Caetano” e você vê que a importância do Lobão é a mesma de um Caetano, de um Gil. É um cara que quando ele morrer, daqui 30 anos, todo mundo vai valoriza-lo e vão dizer: “O Lobão não era só aquele louco, ele era um cara muito foda”. E hoje posso dizer com o maior orgulho: O Vanguart é uma banda paralela ao Lobão. A gente é filho dele, porque é um dos maiores artistas que o Brasil já teve. E ele adotou a gente.

No Ep de 2005, vocês gravaram músicas do disco solo do Flanders. Nesse EP dizia muito que é o Vanguart. Então o que é o Vanguart? E o Vanguart de 2007 é o mesmo do disco de 2011?

Douglas: Acho que dizia muito do Vanguart de 2005, assim como em 2007, e o Vanguart em 2011 é outro Vanguart, mas continua sendo igual ao mesmo tempo.
Hélio: Isso que ele falou é exatamente a verdade. Vanguart sempre foi uma banda mutável. Era uma banda que era só eu tocando voz e violão. De repente chamei a rapaziada e virou outra coisa. Em 2007, com Semáforo e músicas em português virou outra. A gente sempre buscou lançar um trabalho que diga o que você é. Sempre lançamos algo, e a partir daquilo começamos a tentar desmentir o que nós éramos. Que é um comportamento artístico por natureza. O que nós fomos em 2007, em 2009 nós desmentimos. Em 2011 nós desmentimos o que nós eramos em 2009. E no próximo álbum, obviamente faremos o mesmo. O nosso último disco é muito triste e estamos num momento muito feliz. Então logicamente a gente vai deixar de ser o que somos no próximo álbum. Acho que isso é o Vanguart. Não estamos fazendo nada novo. A gente só está deixando de ser o que nós éramos.

(Uma breve pausa do papo. Hélio termina a resposta elogiando os desenhos do David. O guitarrista passou a entrevista toda desenhando caricaturas do resto da banda, inclusive algumas nossas também. Ele justificou que “se não fizer isso ele se descontrola”).

E como é a sua relação com a Cida Moreira, Hélio?

Hélio: Bicho, eu gosto de quem morre no palco. Tem até uma frase do Emicida: “escrever é como quem vai morrer no dia seguinte”. A Cida Moreira eu a conheci em 2000, cantando Bertolt Brecht. Aí eu tava em São Paulo em 2007 e um amigo meu falou “fui no show daquela cantora que você gosta”. Fui falar com ela no camarim e me disse que conhecia Vanguart. Ela gravou “Semáforo” num projeto Pixinguinha que fez. E eu fiquei absurdamente maluco porque é uma das minhas cantoras favoritas. E desde então a Cida é uma referência pra mim, musical e pessoal. Se eu estou perdido, eu ouço um disco dela, eu ligo pra ela, eu vou na casa dela e a gente se resolve. Ela tá na capa do disco e vai participar de coisas seguintes. A gente faz shows com ela. É uma das maiores cantoras do Brasil. Por que que ela não é uma Bethania? Porque nunca agradou ninguém. No Brasil você paga um preço caro por ser isso. No show dela vai ter 400 pessoas que morrem por ela. E no show do Paralamas vai ter 10 mil que nem sabem o que tão falando. O Brasil carrega um pouco disso. Sem achar que a Cida é foda demais nem a gente. Mas você paga um preço caro pra falar a verdade no Brasil. E a Cida Moreira é isso.

Em relação ao último CD, esse parece ter uma maior preocupação com a melodia, com a poesia, com a canção. E como foi introduzir o trompete, e a Fernanda com o violino?

Hélio: O trompete eu já estava aplicando esse golpe em casa, foi natural botar em algumas músicas. A gente queria deixar de ser a gente, então naturalmente a gente mudou alguns elementos. Eu queria parar de tocar violão um pouco. Conhecemos a Fernanda fazendo um show de Bob Dylan e chamamos ela sem pretensão. Ela arranjou duas músicas: “Das Lagrimas” e “O Que A Gente Podia Ser” e vimos que era o que faltava. Então ela acabou vindo com a gente nessa loucura. Vestiu a camisa de uma maneira muito bela.

Fernanda: Tenho a ver com a história do Vanguart, nessas coisas de quebra de padrão. Violino não tem que necessariamente estar numa orquestra, tocando em casamento ou tocando nesse segmento que todo mundo o vê. E mesmo porque em muitos outros países, violino é instrumento de banda. Hoje tem o movimento “new-folk”, que virou meio carne de vaca. Mas não era bem isso que a gente queria aqui no Vaanguart. Era realmente de quebrar alguns estigmas.
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A conversa ia se encerrando ao mesmo tempo que o SESC já esperava sairmos para fechar. Algumas brincadeiras de semelhanças do produtor com o baterista, uma chamada pro Bar da Rosa e um bate-papo ia se encerrando, pelo menos naqueles cantos.

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